sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Pacô e Pretá
















Apesar de conhecer muitos blogs semelhantes, nunca tinha me animado em fazer uma página de crônicas/relatos de viagem. Mas de tanto os amigos me perguntarem e de tanto pedirem por notícias --e olha que só vim passar dois meses, cheguei com passagem de saída marcada--, cheguei à conclusão de que era melhor centralizar a informação.

Criei este blog para falar da minha experiência de vir morar dois meses em Libreville, a capital do Gabão, na África Central. Não é um país tão diferente de muitos cantos do Brasil, ou pelo menos diferente à primeira vista: as ruas são asfaltadas, com uma considerável quantidade de lixo; o trânsito é dominado por lotações malucas e táxis em mau estado; o povo é supersociável, festeiro e solícito, e ao mesmo tempo todo mundo quer levar mais um.

Eu tinha vindo de escalas na África do Sul e na Namíbia, e confesso que tinha ficado um pouco incomodado com a assepsia européia dessa outra África, tão fria, tão limpa, tão excludente, com a questão racial tão presente no ar, na TV, nos papos, nas revistas. Na Namíbia tem um pub com uma placa "nossos preços discriminam porque não podemos mais discriminar", isso só vinte aninhos depois do fim do apartheid por lá.

Enfim, o Gabão é mais Brasil, até tem a história do "cada macaco no seu galho", mas bem bagunçado, do nosso jeito. Pois bem, descobri outra semelhança entre o Gabão e o Brasil por puro acaso: peguei meu primeiro táxi em Libreville.

O táxi (principal meio de transporte de todos: não tem ônibus e as vans são bem menos numerosas e caindo aos pedaços) aqui é como em outros lugares na África: você pode até pegar sozinho, mas não é o costume, e vai pagar mais caro se o fizer. Normalmente, se você quiser pegar um táxi, vai até uma avenida como a Bord de Mer (ou Boulevard de l'Indépendance) e pára na calçada. Como passam táxis na rua à taxa de um a cada três segundos, o que te vir, tendo passageiro ou não, vai te buzinar. Se você fizer sinal, ele reduz a velocidade e você grita pra que bairro quer ir e quanto quer pagar.

O pedido que gritei aquela noite foi "Sablière Cinq Cents!", ou seja, "Sablière 500". O bairro da Sablière é onde fica a casa em que estou hospedado. 500 francos CFA --ou francos da Comunidade Financeira Africana-- era quanto eu estava disposto a pagar, algo equivalente a 2 reais (sim, é barato o táxi).

Não sairia por menos de 1000 francos, o motorista da Embaixada tinha me avisado, pois os caras normalmente cobram mais caro para ir à Sablière, bairro de ricos, com mansões à beira da praia e várias casas do todo-poderoso Omar Bongo, presidente do Gabão há quarenta anos e meio (esse merece um post à parte) e quase uma divindade por aqui.

O taxista olhou, pensou e falou: 2 mil, eu retruquei com mil e ficou por isso, até porque o táxi já tinha três pessoas espremidas atrás. Já na estrada da Sablière:

TAXISTA - Você vai à Embaixada dos Estados Unidos? [ficava próxima de onde eu estava indo.] É americano?

Achei engraçado, porque tinha sido a terceira vez no dia que me perguntavam isso. .

MARCÃO - Não, sou brasileiro.

TAXISTA - Brasileiro? Sabe "Le Coeur du Péché?" Sabe se o Pacô é casado com a Pretá na vida real? Eu acho eles um casal tão bonito!

Não entendi nada do que ele falou da primeira vez, e ele ficou indignado.

TAXISTA - Como assim, você não é brasileiro? Não sabe "Le Coeur du Péché"? [virando para os passageiros de trás] É brasileira essa novela, não é? [todo mundo concordando.] É o programa de televisão mais visto do Gabão, da África central inteira!

Eu não sou noveleiro, embora já tenha tido meus momentos. Lembrava de alguma novela que tinha a palavra "pecado"... sim, "Da Cor do Pecado". Eu não vi a novela a fundo. [Mas me lembrava dela justamente porque tinha ficado indignado com o fato de que a primeira novela brasileira que trazia uma negra no papel de protagonista não-escrava fazia justamente alusão à sensualidade marcada dos traços raciais. O negro como a cor do pecado.] Me lembrei que a tal protagonista era a Taís Araújo, e que ela fazia par romântico com o Gianecchini, que tinha um irmão gêmeo ou algo que o valha. Me lembrava também que tinha o Lima Duarte e a vilã era a Giovanna Antonelli loira de cabelo curto. Ops, lembrei demais da história, acho que andei vendo mais novela do que eu imaginei...

Aí estava. Pacô era Paco, o Gianecchini. Pretá, nada mais óbvio, a Taís Araújo.

MARCÃO - Sério que vocês vêem isso aqui? Passou faz anos no Brasil, nem me lembrava direito. Olha, não me lembro bem porque faz tempo, mas acho que não... acho que o cara que faz o Pacô era casado com uma jornalista mais velha, e a atriz da Pretá era casada com um cantor e apresentador de televisão.

TAXISTA - Mas você TEM certeza? Eles são um casal tão bonito...

Ao olhar pra cara do taxista e do pessoal atrás, vi que ia decepcionar se dissesse outra coisa.

MARCÃO - É, talvez tivesse alguma coisa assim, sim.

TAXISTA (chegando ao meu destino, a residência oficial do Brasil) - Você trabalha na Embaixada do Brasil, não é? Tem que trazer Pretá e Pacô pra cá. Fariam muito sucesso. E também uns jogadores de futebol, Ronaldinô, Robinô, Kaká. Gostei de você, brasileiro. Fica pelos seus Cinq Cents.